domingo, 30 de novembro de 2008

Não é saudosismo, é constatação!

A rua que eu passava pra chegar até a casa dos amigos, não tinha iluminação suficiente que clareasse uns vinte metros adiante, e apesar de ser parte nobre da Tijuca, carecia de alguns postes a mais com luzes mais fortes. E as árvores ainda colaboravam pra esse clima sinistro, com suas folhagens espêssas, que deixavam as sombras ainda mais acentuadas, como se as casas fossem negras e abandonadas deixando no ar uma sensação forte de que algo de inusitado e muito estranho sempre estaria por acontecer. Nesse tempo, lá pelos meus quinze anos, confesso que tinha mêdo de almas. Mas não estava sozinho nisso, não! Todos os garotos também se borravam todo quando tinham que ir pra casa e precisavam cruzar alguns quarteirões, lá pelas altas horas, no meio dos espíritos!... O fato é que aquelas almas penadas poderiam estar voando por qualquer lugar, inclusive bem ali à minha volta, e eu nem sequer podia vê-las, senti-las ou espantá-las! Tremia de mêdo e os olhos de tão arregalados quase saltavam das cavidades! Sempre por volta das três da manhã de uma madrugada calada... Rezava todas as preces que aprendi no catecismo da Igreja de São Sebastião do Rio de Janeiro, e as rezas que não me vinham à cabeça por inteiro, rezava os pedacinhos mesmo, tudo pra encontrar um policial que estivesse de passagem pra me dar o alento da segurança, e assim conseguir tirar da frente a minha própria imaginação soturna e cadavérica. Esse era o cenário comum do meu dia a dia, ou noite a noite. É isso mesmo! Rezava pra encontrar um policial que sempre nos envolvia, tão somente com sua presença, numa redoma de proteção. Muito frequentemente, conhecíamos os policiais e seus dias de ronda. Ainda havia, por cotização dos moradores, os guardas noturnos que faziam suas rotas de bicicleta e apitavam de tempos em tempos pra espantar qualquer alma desavisada que ainda pudesse estar por ali pra assustar meninos tão desprotegidos! Não havia a preocupação com um possível assalto ou um comportamento semelhante. O que se ouvia falar era de pequenos furtos. Às vezes sim, até um assassinato, mas era um por ano ou coisa desse tipo. As notícias catastróficas ficavam por conta da natureza que trazia uma enchente, um raio mal caído, uma chuva mais forte de verão, ou senão um acidente infeliz com um onibus, ou a notícia que o Vasco havia perdido mais uma vez pro Flamengo. Ufa!.. Essas eram as notícias ruins. Assalto na madrugada não se cogitava. Mendigos só os malucos beleza! Raramente se encontrava um morador de rua agressivo por falta de trabalho. Normalmente era por ter caído no vício da bebida por tristeza de amor ou problema mental de nascença. Eles nunca insistiam em pedir e todos se mexiam pra ajudar! O resto era alma penada perturbando a nossa vida! O que tem mudado radicalmente de uns tempos pra cá! Mas não foi tão rápida assim que essa mundança foi acontecendo que não desse pras autoridades competentes se assuntarem da gravidade do problema e já há anos ajeitarem a situação pra que não chegasse ao ponto do insuportável que vivemos hoje! O problema é que agora ando na mesma rua, muito melhor iluminada, cheias de câmeras de segurança e portões automáticos, rezando pra uma bendita alma penada, apenas umazinha... me proteger de alguma blitz composta por vários policiais, que outrora davam segurança e hoje nos assustam com tamanha ostensividade, e já não se sabe mais se são mesmo os policiais honestos ou clones montados por profissionais muito bem estabelecidos do crime organizado, se disfarçando com uniformes gentilmente cedidos por algum oficial corrompido e empunhando armas do Exército Brasileiro de uso restrito, em troca de algum dinheiro mensal que complemente o salário minguado que eles tem que levar pra deixar no supermercado, ou em algum colégio particular. Eu estudei meu ensino básico até o científico, hoje segundo grau, em um colégio público, e tenho certeza que fui bem preparado! Ah... ia esquecendo!... Parte desse caixa dois vai pro plano de saúde! Não podem ver seus filhos morrendo sem socorro nas emergências da vida! E sabe como são os atravessadores... precisam viver!... E bem!... Caviar, salmão, vinhos... Coitados!... Tudo pelo social... deles! Me deparar hoje com essa cruel realidade Tijucana, e por que não dizer, carioca, depois de tantos gritos de socorro de uma população horrorizada, que vive se desviando de balas que já não se importam se estão indo direto ao peito de uma criança recém nascida, ou se estão indo pras mãos de meninos que só conhecerão essa triste e alarmante realidade, me deixa com a sensação de total impotência, já que escolhi seguir meu dom mais forte que é a música e não me dediquei a ser presidente ou governador! Só um milagre dos espíritos! Não vejo outra solução! Os políticos estão preocupados em aparecer com um terno Armani e desfilar promessas que não vão cumprir, porque sabem que se tentarem acabar com a violência, correm perigo de vida, talvez até por alguém do seu próprio staff. Na minha insignificância, só me resta gritar da maneira que posso, através do meu violão, do papel e da caneta, insistindo no amor!... Ainda preferia sentir medo de alma penada. Não é saudosismo... é só uma triste constatação!

Um comentário:

vanessa Rezende disse...

Meu poeta, é verdade,sua constatação é a mais pura realidade!Anteriormente as preocupações eram outras,os medos eram outros...Quem dera se nossas preocupaçoes ao andarmos e uma rua deserta e desprovida de iluminação fosse com espirítos...beijão