domingo, 10 de maio de 2009

Vício.

Não sei bem porque só me dá vontade de escrever, compor e tocar quando estou triste. Acho que a solidão põe seu espelho enorme bem na minha frente e me mostra cruelmente o que tento esconder de mim mesmo todo o tempo. É só começar a cair a primeira lágrima de saudade, que lá vou eu pro violão, papel e caneta. Esse trio fica meio esquecido quando tudo em volta tem um ar de alegria, tudo está ajustado e tenho pessoas queridas à minha volta. Mas vem aquela ponta de dúvida, ou de arrependimento, ou de ciúme e já me vejo catando folha e qualquer coisa que escreva pra ver se a dor passa. É de uma sutileza felina. Mal me apercebo e já estou nas garras dessa loucura. Reluto, fujo, me embrenho por lugares na minha alma que acredito que nunca serei descoberto, mas não tem jeito... lá vem a solidão!... Ela me vislumbra e me arrebata! Me tira dos braços da ilusão de serenidade e me joga brutalmente sob os pés da verdade crua. Mas com essas idas e vindas ao meu poço sem fundo descobri que não é a calmaria que me alenta. A agonia da saudade é uma espécie de recompensa velada pra que a poesia e a música possam entrar e se instalar. Nada como a dor pra se notar o violão meio empoeirado no canto da sala. Hoje foi assim, um dia desses. Fui resistindo ao máximo, deixando as horas passarem, me distraindo com outras coisas, tentando não olhar o espelho seco da realidade, mas chegou a hora de pisar na armadilha pronta pra me roubar o sossego, sacudir meus alicerces, quebrar as trancas e cadeados das portas e janelas, rachar o concreto das paredes, do teto, do piso, estourar os canos e deixar jorrar o suor até ela chegar, inteira, clara, remediadora, pacificadora! Ela, a canção! Brilhante! Só ela ilumina e apazigua. Só ela troca as lágrimas de dor pelas de felicidade! Não tem outro sentido. Esse é o ópio que me vicia. A dor vem camuflada de um grande amor, me dá dias e momentos e horas e anos maravilhosos pra depois se mostrar inteira e repentinamente, pra que tudo vire um inferno só, com muito sofrimento ardido e pontiagudo, pra que as mãos procurem desesperadamente as cordas, o papel e a caneta, pra que a canção seja tão imensa quanto a dor, grandiosa e indestrutível, pra que seja eterna, fale direto ao coração quase sem passar pelos ouvidos. Parece até que entra pelos poros, vai direto ao sangue, o envenena e acelera os batimentos pra que os olhos fiquem injetados e as mãos tremam e o criador tenha respeito pela criação! Não sei bem porque escrevo, mas deve ser por isso, pelo vício dessa solidão.

4 comentários:

Renata Gabrielle disse...

Oi, Jota...

Que bom que voltou a escrever no blog. Interessante esse processo criativo dos compositores e poetas. Alguns escrevem em momentos de alegria. Outros, de tristeza. Estou fazendo um trabalho sobre uma poetisa pernambucana e ela dizia que os poemas para ela já vinham prontos e ela só fazia arrumá-los. Mas esse processo era doloroso, sofrido. Enquanto ela não conseguisse escrever essa angústia a torturava. Quando terminava ser sentia leve. É semelhante a um parto. E tanto ela quanto você são pais de belos filhos.

Beijos perfumados

Rozzi Brasil disse...

oi, Jota!
Essa é ador de quem alem de sentir se dá ao luxo de pensar. Encara de frente a realidade de não se vencer todos os dias. A indefectivel realidade que somos inigualavelmente únicos e jamais viveríamos felizes o isolamento. Solidão produtiva pode ser,mas como parceira é apenas uma enfermeira que cuida as feridas com sal. Deve ser por isso que as lágrimas não são doces...
Que os poetas são diferentes e que a arte embora ofício se não for exercida entre choros e cantares não encontra similaridade com o humano..

Damaris de Bragança disse...

Oi Jota,
Grande poeta que conheço tão pouquinho, desculpa a ousadia, mas precisava dizer-te com parte de um texto que escrevi lá... em 1987 que a tristeza e a solidão também são minhas aliadas.
Beijos, meu mais novo amigo!

..."Faço versos
quando sangra meu peito, me sufoca o desejo e molho de lágrimas meu leito.
Faço versos,
quando o sonho me aflora, arrebenta meu peito e sai gritando porta a fora.
Faço versos,
quando me agarro na lida
até o suor esguinchar dos poros, lavando, curando e cicatrizando este suposto espectro de vida...
Faço versos,
quando olho o exato relógio do tempo,percebo que o ponteiro agitou-se com o vento e disparou mais uma vez.
_ Talvez eu pudesse traze-lo de volta, talvez...

- Faço versos quando sinto saudades do amor que não tive..."


Até...

Lia disse...

Jota querido, esse seu texto...essa sua alma tão exposta. Que lindo...tão lindo quanto o que Clarice Lispector escreve:
"E ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a solidão."
Sucesso sempre poeta!
Beijos de luz.